quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A Escrita do Deus


O escritor argentino Jorge Luís Borges escreveu um texto intitulado A Escrita do Deus onde, de uma forma bastante misteriosa, descreve o encontro de Tzinacan com o sagrado.
A crônica refere-se à narrativa dos sentimentos e percepções simbólicas de um prisioneiro religioso, um mago da pirâmide de Qohalon, chamado Tzinacan. Sua pirâmide fora queimada e destruída por Pedro de Alvarado, sendo ele, posteriormente, encarcerado.
Ele está preso em um fosso de pedra, cuja estrutura é separada por um muro que possui uma janela ao nível do chão. Do outro lado do muro há um jaguar. Tzinacan somente pode vê-lo quando o alçapão se abre ao meio dia e a luz adentra o recinto, justamente no momento em que o carcereiro leva água e carne para o homem e o animal encarcerado. Nas trevas, o jaguar é imaginado por Tzinacan. Com a luz, o animal pode ser vislumbrado.
Tzinacan fala de seu mundo, de suas inquietações, de seus temores e de seu desespero. Isso fica claro quando ele mesmo aborda que quando jovem andava por toda a prisão, mas agora não consegue magia que o livre.
Ele foi maltratado por algozes que almejavam a revelação de um tesouro escondido, mas, mesmo moribundo, se manteve silencioso e resignado, seu sentimento denuncia certo contentamento: o ídolo do deus não lhe abandonou.
Na treva do cárcere, premido pela necessidade de fazer algo, vagueia na sombra e busca entender a escrita do deus, ou seja, a revelação dada na criação. Essa era uma escrita que poderia libertá-lo daquele cárcere. Talvez, ele já a tenha visto, mas falta-lhe o entendimento.
Decorre de sua reflexão a vertigem e ele busca uma forma que pudesse significar seu símbolo. Buscou a forma árvore, a forma pássaro, a forma homem, talvez, ele mesmo. Mas, ao final constatou que o símbolo podia ser o jaguar que estava ao seu lado. Com essa conclusão, sua alma se enche de piedade. A mente de Tzinacan divaga e ele pensa na escrita do deus revelada na vivência e pelagem da rede de tigres. Nesse momento, a percepção do jaguar transmuda-se. Gastou-se no afã de decifrar a pelagem, inclusive os pontos e manchas, mas reconheceu ao final, a grandeza do mistério e sua impossibilidade de entender o símbolo. Isso porque uma coisa pode conter o todo, o tudo, o mundo, o universo. Mas, mesmo assim, essas são pobres palavras humanas que buscam conter o incontido.
Decorre dessa experiência o delírio. Areias que se multiplicam. Areias que o sufocam. Sonhos dentro de sonhos e uma corajosa confissão: o homem é ele e suas circunstâncias. Regressando do labirinto dos sonhos, desperta em seu cárcere e bendiz todas as coisas: a umidade, o tigre, a treva, a fresta de luz, o corpo dolorido, a pedra...
É quando Tzinacan encontra sentido em sua circunstância. A união mística com o deus ocorre e os símbolos dessa revelação não se repetem. Na infinitude das visões, Tzinacan encontra sentido para o que não tem sentido. São os infinitos processos que formavam uma só felicidade. A sua experiência mística o leva a cogitar a possibilidade de se tornar também um deus, e assim vingar-se dos seus algozes. A plenitude estava tão próxima e intangível. Mas a plenitude o leva a esquecer-se de si mesmo, de Tzinacan. E assim, mediante seu encontro com a escrita do deus, conclui triunfante:

Que morra comigo o mistério que está escrito nos tigres. Quem entreviu o universo, quem entreviu os ardentes desígnios do universo não pode pensar em um homem, em suas triviais venturas e desventuras, mesmo que esse homem seja ele. Esse homem foi ele e agora não lhe importa. Que lhe importa a sorte daquele outro, que lhe importa a nação daquele outro, se ele agora é ninguém. Por isso não pronuncio a fórmula, por isso deixo que os dias me esqueçam, deitado na escuridão.

DIA 70 - As mariposas giram em torno das lamparinas acesas

Gosto quando os olhares e os sorrisos oriundos de pessoas diferentes compactuam os sentimentos mais profundos numa doce simbiose. Pode ser q...