terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Natal é...


Eu sou daqueles que pouco me encanto com a comemoração de Natal. Ora, comemorar significa festejar um acontecimento e para mim, o Natal como acontecimento é o que acontece no cotidiano...
Natal é acordar às 5h30 da manhã, tomar um café correndo pra pegar o metrô lotado em Santana – SP, com a finalidade de bater o cartão no horário previsto.
Natal é um grupo de crianças da periferia de Recife – PE, andando seis quilômetros para ir à escola e se encontrar com uma professora ainda jovem que acredita na utopia do processo educacional.
Natal é o reencontro com os colegas de trabalho – pedreiros, pintores, serventes e ajudantes, todos oriundos do Nordeste do país, cansados da rotina na cidade grande e das dificuldades financeiras originárias do baixo salário.
Natal é comer uma quentinha preparada por uma senhora idosa e trabalhadora que ainda labuta pra ajudar na criação dos netos na cantina ou cozinha da pequena Gráfica em Belo Horizonte – MG.
Natal é enfrentar o chefe chato da Multinacional em Minas Gerais que, disposto tão somente ao lucro, esgota toda a sua equipe com um cronograma de metas.
Natal é a mulher que vai dar a luz a uma criança em um Hospital da rede pública do Rio de Janeiro sem saber se sua criança nascerá bem.
Natal é comparado a centenas de milhares de doentes e acidentados longe das suas respectivas famílias em diversos hospitais e pronto-socorros espalhados pelo país.
Natal é o mendigo que dormiu toda a madrugada de chuva fina debaixo de uma marquise de uma grande loja localizada na Rua 25 de Março – SP e, que ao acordar, remexe o lixo em busca de algo pra comer.
Natal é o carro quebrado em dia de pico na Reta da Penha – Vitória – ES.
Natal é a briga de casal em Campo Grande – MS, por motivos fúteis e inimagináveis.
Natal é a “ceia” familiar realizada às 20h, cujo cardápio revela macarronada e frango assado em Pirapora – MG. Pagode no som e alegria espontânea.
Natal é a criança do Educandário Carlos Chagas – Juiz de Fora – MG, recebendo um brinquedo oriundo de uma pessoa que ela não conhece.
Natal é a velhinha no abrigo em Porto Alegre tomando a sua canja com saudades da filha que não dá noticias há anos.
Natal é a comunhão celebrada por uma família de belenenses no entorno de uma mesa de madeira tendo à disposição dos olhos uma singela vela e pedaço de pão festivo.
Natal é a jovem vendedora com pernas cansadas de tanto ficar em pé durante a jornada do comércio e mercado pesados.
Natal é a loja de X,99 lotada de gente comprando lembrancinhas para o amigo X, amigo oculto, amigo secreto ou amigo urso, que acontecerá na noite do dia 24 de dezembro.
Natal é o carro cheio de bagagens e cheio de gente. Ansiedade no ar, farofada e música sertaneja no ambiente.
Natal é aperto de mãos e beijos aliados a um desejo intenso de que dias melhores aconteçam.
Natal é uma singela celebração em memória do nascimento de Cristo numa capela qualquer em um vilarejo distante.

Natal é, enfim, o paradoxo de se perceber na simplicidade de um bebê a esperança de novos tempos.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Protesto contra os buracos!

As chuvas chegaram fortes à cidade de Juiz de Fora – MG. Interessante notar como todas as nossas potências são insuficientes para deter os fenômenos da natureza. Interessante também notar como somos seres vulneráveis, mesmo com todas as nossas pretensões de autonomia. Além da nossa impotência frente aos fenômenos naturais, sofremos também com a falta de infra-estrutura e de políticas públicas no campo da defesa civil em nossos contextos urbanos. Milhares de pessoas que perderam bens materiais diversos tentam salvaguardar, pelo menos, a dignidade e cuidar dos poucos itens que lhes restaram. O que mais me implica neste processo é o surgimento dos buracos! Ora, não falo dos buracos mágicos que surgem de uma hora para a outra nos asfaltos e ruas, vielas e calçadas da cidade, complicando as vias públicas. Falo sim, dos buracos que surgem na vida das pessoas em diversas localidades das mais distintas cidades do nosso país tão sofrido. Na hora em que famílias inteiras são abaladas pelos fenômenos naturais e acabam perdendo seus bens simbólicos e materiais, a indiferença de muitos políticos é de doer. A desculpa é sempre em relação ao crescimento desordenado das vilas e bairros das cidades. De fato, há situações indevidas que infelizmente foram geradas pela ausência do Estado e dos poderes públicos. O crescimento desordenado é, antes de tudo, um dado que demonstra a ausência de um planejamento para a vida das pessoas que pagam seus impostos. São poucas as cidades que podem se gabar desse planejamento. Em minha concepção, deveria existir um maior engajamento público dos representantes para com os cidadãos. Se os recursos não estiverem sob a mesa dos interesses puramente econômicos e eleitoreiros, poderão estar à disposição para planejamentos mais ousados que, por tão conscientes, contarão inclusive com o apoio dos cidadãos. Penso, não de forma utópica, no critério de co-participação de todos no tecido social, em busca dos interesses comuns, visando sempre o bem-estar de todos. Os buracos que se instalam na vida das pessoas não são cicatrizados com facilidade. É claro que, em nosso caso brasileiro, a força da superação é sempre evidente. No meio das dificuldades, o brasileiro sempre encontra um jeitinho de superar-se. Mas isso só não basta! E não basta também a solidariedade tão nobre que se amplia frente ao caos que se instaura. É preciso algo mais! Espero, sinceramente, que no decorrer dos tempos, novas políticas públicas participativas surjam com o intuito de minorar situações complexas. Quem sabe assim, com gestos políticos concretos, não consigamos evitar os buracos. Não os das ruas que são chatos também, mas prioritariamente os que se instalam na vida e nas almas das pessoas.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

OS OLHOS TRISTES DO LOBO


Eu os vi...
Olhos tristes quando ainda um filhote
Lutando pra escapar da morte
Ansiando o acaso ou a sorte

Eu o vi...
Não deveria ter viçoso vivido
Mas cresceu forte, ensandecido
Devorando mesmo o não-percebido

Eu o vi...
Acabei deixando-o crescer
Como ser, precisava viver
Nada mais poderia o deter

Todavia...
Furioso, quis minh'alma destruir
Me desfez sem me reconstruir
Os seus olhos tristes eu vi

E assim...
Levei o lobo agora criado
Para ser sacrificado
No silêncio do nada enluarado.

A adaga em minha mão reluzia
Sob a parca luz que se via
Todo o meu corpo tremia

Eu vi nos seus olhos o terror
Estampado em meio a dor
De perder todo brilho e vigor

Era preciso dizer ao lobo: basta!
Sua sanha inquieta me arrasta
Para um profundo onde o fogo se alastra...

Mas ao invés de matá-lo num ato
Resolvi liberá-lo no mato
E deixá-lo viver tempo ingrato

Sim, deixei-o viver sem um rumo
Sem chão, sem teto, sem prumo

Seus olhos tristes, cabisbaixo no mundo...

sábado, 16 de novembro de 2013

LONGE DA PAIXÃO

Nada mais há de você em mim.
O tempo passou, o tempo voou e eu me libertei
Não mais estou à beira do caminho.
As flores até perderam o encanto e as nuvens encobriram o sol, mas eu não me importo.
É bom que assim seja. Num momento a gente se enche de amor,
No outro a gente curte o que dor... o medo se foi...
Paixão é bom porque chega e vai, quase nunca fica.
Eu volto a sorrir, com o corpo isento, sem agonia.
Todavia, tal qual onda do mar, insistirá, voltará... talvez...
Tudo suporto, pois eu nada controlo.
Sigo cantando a melodia triste que dá alegria.
Beleza profunda que anima minh’alma num instante silente.
O fogo abaixou e as cinzas me deram o presente.
Ele é tudo o que tenho, pois o passado passou e o futuro é incerto.
Abraço a noite que cai. A lua minguante será minha companheira.
E no sombrio volume da madrugada, ando sem eira, sem beira,
Na rota da ponte que vai do nada ao vazio, pelo simples fato de ir.
Assento-me à beira do rio. Ele vaga calmamente escondendo os redemoinhos do profundo.
Um graveto flutua. Metáfora de mim sendo levado para qualquer lugar,
Longe da paixão...

Moisés Coppe



quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Paixão insana...


Descontrola-me a paixão!
Essa força, metáfora do fogo.
Tensão e tesão, larva de vulcão.
Dissonante na pauta musical
Que levanta todo o meu astral e me deixa singular.
Mal estar gostoso de sentir.
Trágico luar das noites sem estrelas
Que ilumina, tão somente, pequenos cacos de telhas.
Barro todo informe e macio,
Vermelho, úmido se moldando
No penhasco dos meus mais remotos sonhos.
Salto no vago precipício, sem chão para pousar, sem asas pra voar.
O corpo em meio aos ventos debate o insano intento da fé pra se jogar,
Sem aparas pra agarrar.
É o doce amargo na boca.
Longe dos abraços e beijos
Arrefeço o poder dos desejos...
E mergulho no fundo profundo
Sentindo-me qual moribundo
Que em meio ao silêncio gritante
Enfrenta o temor fulgurante
Perdendo o sentido do mundo.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Hoje tive um sonho...

Acordei com um sorriso, depois de um sonho... Sonhei que estava em um lugar amplo, onde se aglutinavam muitas pessoas oriundas de diversas cidades e de múltiplas culturas. As pessoas tinham em seus corações boas intenções e desejavam participar da sinalização do bem estar para muitas outras pessoas – seus semelhantes. Seguiam fielmente o preceito de amar a Deus e ao próximo, oriundo do pensamento de um jovem sábio, inscrito em um velho rolo de pergaminho. Apesar dos bons intentos, os semblantes estavam pesados. As pessoas estavam desesperançadas e descontentes. Eram muitas as inquietações e dificuldades vivenciadas. O ambiente claro-escuro era evidente e a opacidade dos olhares dizia muito sobre os dramas estruturais no contexto da organização que amavam. Os planos contraditórios, a visão distorcida, os semblantes inseguros, a contigência da vida, os dramas familiares, as crises financeiras, o arroubo das falas arrogantes, o dedo em riste, o medo da sinceridade... tudo isso reunido dentro de um salão marcado pela presença de um “sagrado”. Frio, vento, nebulosidade... Entretanto, as nuvens densas do dia nublado se desfizeram, pois os principais líderes da organização rasgaram suas vestes, se cobriram de cinzas, arrancaram as sandálias dos pés e iniciaram uma celebração inusitada que começou com um pedido claro de perdão num sermão afetuoso e a celebração da santa-eucaristia. Todas as pessoas, como que sendo invadidas por um sopro renovador do vento leste, igualmente rasgaram suas vestes, cobriram-se de cinzas e arrancaram suas respectivas sandálias para pisar aquele ambiente que havia se tornado santo, genuinamente santo. Os bons intentos se encantaram, os semblantes ficaram leves. As pessoas nutriam-se de esperança e se abraçavam contentes. Perdiam as inquietações e vivenciavam o diálogo fraterno. O ambiente ficou brilhante como o domingo de sol e um reflexo inimaginável tomou conta dos olhares, desfazendo paulatinamente os dramas estruturais da organização que amavam. Os planos concordados, a visão definida, os semblantes firmes, a contigência da vida, os desafios familiares, as possibilidades de resoluções financeiras, as falas carregadas de humildade, a sinceridade... tudo isso reunido dentro de um salão marcado pela presença do Cristo. Na ceia-eucaristia-sempre-santa, uma nova organização nascia com cheiro de gente – Deus com a gente, feito gente. O rancor se desfez, as mágoas foram lançadas ao chão e todos(as) se uniam em uma só voz cantando: “No Espírito, unidos, somos um no Senhor”. Espero continuar sonhando...

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Eu mando... Vocês Obedecem...

Acho ridícula toda e qualquer afirmação do poder pelo poder. Acho ridícula também toda e qualquer postura de superioridade adotada por esta ou aquela pessoa em relação a outrem. Acho, enfim, ridícula, a pessoa que afirma diante de outros a expressão: “eu mando... vocês obedecem”. Preciso considerar, de antemão, que todas as relações humanas são permeadas por essa esfera de poder, que por sua vez, se torna necessária para organizar a própria vida sócio-política dos seres humanos. Vivemos, assim, sob as determinações de um poder que muitas vezes não dominamos, tampouco controlamos. O problema em relação à questão do poder refere-se, primordialmente, ao fato de que essa manifestação social dá margem a que pessoas dominem pessoas. Assim, o problema não reside ao exercer ou não o poder, mas na forma como se exerce o poder. Em minha concepção, poder não pode ser exercido para subjugar pessoas. Todavia, como podemos pensar melhor as relações de poder sem essa subjugação? Na tentativa de responder a essa questão, fixamos primeiramente os olhos na vida e ministério de Jesus. Indubitavelmente, a forma como ele exerceu o seu poder é exemplar e digna de ser seguida pelas pessoas que tem responsabilidades de cuidado em relação aos outros. Jesus nunca mandou. Ele propôs questões para o juízo de seus discípulos, segundo a máxima: “Quem tem olhos para ouvir... quem tem ouvidos para ouvir...”. O único mandamento refere-se ao amor e o amor não subjuga pessoa qualquer. Jesus é o nosso modelo. No que se refere à conceituação bíblica de poder, podemos constatar que existem duas definições específicas: a primeira refere-se à palavra dinamismo e a segunda à palavra potestade. Dinamismo é a palavra que aparece, por exemplo, em Atos 1.8: “Mas recebereis dinamismo (poder) ao descer sobre vós o Espírito Santo”. Ora, essa dimensão de poder revela a todos nós que o poder, numa conceituação cristã, não pode ser o poder para subjugar as pessoas segundo os princípios da potestade. O dinamismo é a dinâmica da vida em seus intuitos de ampliar a vocação dos santos rumo aos ideais preconizados por Cristo e favorecer a melhor vivência dos cristãos, no mundo no qual se está inserido. Já a potestade tem a ver com dominação. Sendo assim, a frase: “Eu mando... vocês obedecem” não se insere na perspectiva dos principais argumentos bíblicos que exaltam a perspectiva do dinamismo, da força e do milagre. Na contramão da potestade, encontramos versos, como: Mateus 6.13. “E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal, pois teu é o reino, o dinamismo (poder) e a glória para sempre”. Ou ainda: Romanos 1.16: “Pois não me envergonho do evangelho, porque é o dinamismo (poder) de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego”. E, enfim: Apocalipse 19.1. “Depois destas coisas, ouvi no céu uma como grande voz de numerosa multidão, dizendo: Aleluia! A salvação, e a glória, e o dinamismo (poder) são do nosso Deus”. Como interpretamos, nesses exemplos, averiguamos a dimensão de um poder que tem a ver com a explosão de vida na vida. Aliás, nessa mesma linha de raciocínio o Ricardo Godim diz alguma coisa fascinante: “Não pretendo segurar o amor de ninguém. Anseio por relacionamentos livres, leves e soltos, deixando que meus amigos acertem ou não o caminho deles. Que cada um conviva com as suas escolhas e construa o seu caminho no caminhar. Arrisco conviver na gratuidade dos afetos, sem cobrança. Preciso acreditar que ninguém deve nada a ninguém senão respeito à liberdade e à dignidade. Aventuro-me fazer o bem e não cobrar nada em troca. Já que desisto de um jeito de ser feliz, resta-me seguir pela vereda incerta da minha verdade. É melhor deitar a cabeça, sabendo que sou honesto comigo mesmo, do que aceitar os jogos de poder que me asfixiaram por anos. Não quero fórmulas fáceis, nem aceito “cinco passos para uma vida tranquila”. Essas receitas roubaram o meu bem mais precioso: tempo. Sei que o porvir não se converterá em um idílio no estalar dos dedos. Contento-me em notar que pequenas alegrias e poucos sorrisos pontuarão a minha existência. Não anelo por muito mais. Essas pitadas serão suficientes para eu dizer no fim de tudo: viver valeu”. (Disponível em: http://www.ricardogondim.com.br/meditacoes/para-poder-dizer-viver-valeu/) Sim, de fato, vale a pena viver sob o sol forte e intenso da liberdade. Não podemos abrir mão de sermos o que somos e de deixarmos as pessoas viverem as suas vidas sem as determinações frias das leis que criamos para embotar a aventura de viver e sofrer. Portanto, poder só tem sentido se for pra abrilhantar mais a vida e permitir às pessoas a possibilidade de viverem as suas auroras e seus crepúsculos. Na dinâmica do Evangelho, não há espaços para pessoas que querem mandar, mas sim, para pessoas que, no dinamismo de suas palavras e ações, cultivam relacionamentos de reciprocidade, de afetos e de solidariedade na caminhada. No caminho, come-se o pão com sabor de manjar e se apóia o outro em tempos sombrios, nublados ou primaveris.

sábado, 31 de agosto de 2013

Os Incomodados que se Mudem!?

Um antigo adágio popular assim reza: “Os incomodados que se mudem”. Quero afirmar, de antemão, que concordo em gênero, número e grau com essa frase. Estou incomodado e estou em mudança. Mudo porque se torna necessária a mudança para o estabelecimento de uma ação contrária ao que se impõe. Mudo porque, recebendo as manifestações de poder ditatorial, preciso me reposicionar. De fato, se me sinto incomodado, é porque algo me transtorna, pois o incômodo é o contrário do confortável. Não me sinto estabilizado, portanto estou incomodado e, pior, demasiadamente entristecido. É cruel saber que a dinâmica que move a maioria das igrejas na atualidade está de mãos dadas com a lógica de mercado. As únicas coisas que importam, ao final das contas, são as cifras. E, para que os objetivos sejam alcançados em qualquer das esferas já citadas, pessoas precisam ser sacrificadas. Estamos vivendo um tempo de sacrifícios bizarros, que são feitos em nome de “Deus”. Em nome deste “Deus” e em nome da “salvação” de vidas com vias ao crescimento numérico das igrejas, um monte de gente é violentamente atropelada. Não há espaço para uma reflexão sobre as temáticas da fé, principalmente se elas não se encontram em acordo com a visão do líder, que por sua vez, busca a unidade a qualquer custo, não por intermédio de conquistas democráticas ou acordos diplomáticos. A unidade que se busca concerne à obediência cega à “visão” do homem ou mulher de “Deus”. Ora, a história da humanidade está repleta de monumentos emblemáticos onde ditadores, em nome de sua particular visão, se impostaram magnanimamente. Lembremo-nos dos Cézares, das Cruzadas, de Stalin, Hitler entre outros. No campo religioso, temos muitos exemplos também. Onde se fez presente a visão de um líder – em nome de “Deus”, o povo teve que se submeter. Um caso exemplar é o de Jim Jones que em 1954 criou a sua própria igreja chamada Peoples Temple Christian Church Full Gospel. Seu trabalho ganhou notoriedade, tanto que em 1960 o prefeito democrata Charles Boswell o nomeou como diretor local da comissão de Direitos Humanos. Depois de tentar ampliar sua denominação, ele acabou por criar um movimento específico na Guiana. Ao fim, levou a morte 900 membros da denominação que, incitados pela visão do líder, acabaram se suicidando. O homônimo Tim Tones – personagem de Chico Anísio – evidenciava no contexto do seu quadro, através do humor-sátira, os desvios e contradições das igrejas de mídia. Sempre ao final, após a mensagem de “esperança”, o “pastor” Tim Tones expressava em tom religioso: “Pode correr a sacolinha”. Ao mesmo tempo em que pessoas são jogadas para escanteio por não concordarem com a visão, o dinheiro entra nos caixas eclesiásticos e os adeptos a essa proposta se colocam no lugar de Deus para anteciparem Seu juízo. Determinam euforicamente quem é santo e quem é pecador; quem é servo e quem é escravo; quem é obediente e quem é rebelde; quem é de Deus e quem é do Diabo. Assim, amparados por textos do Antigo Testamento, principalmente os que ressaltam a visão de um Javé passional, tais lideres buscam a legalização e a legitimação de seus argumentos. Sem o mínimo de critério interpretativo, aplicam o texto pelo texto, a letra morta com cheiro de morte, longe da Boa Nova anunciada por Cristo. Aliás, se pensarmos bem, Jesus, mesmo ele, interpretou a Bíblia dizendo: “Ouvistes o que foi dito. Eu, porém, vos digo...”. Nessa mesma linha de raciocínio, outro fator que muito me incomoda, e que merece a minha mudança, refere-se à obediência aos princípios bíblicos sem o mínimo de critério. Tenho aprendido continuamente que a Bíblia não é um texto para ser obedecido, mas pra ser interpretado. Ora, a Bíblia é uma referência para a dinâmica de fé, mas não é um instrumento para alienar ou oprimir as pessoas. A obediência pode e deve até vir como fruto de uma interpretação da própria Bíblia. A interpretação é fruto de uma leitura orante da Bíblia. Sem oração e discernimento espiritual é impossível interpretá-la. Mudo, assim, minha forma de inserção na leitura bíblica. Acontece que, na mesma onda mercadológica, a ideia de que os fins justificam os meios – ideia atribuída erroneamente a Maquiavel – se evidencia de forma categórica nos nichos eclesiásticos. Em outras palavras, líderes seguem aquela lógica de que não importa o meio, desde que o fim seja a pregação do Evangelho ou levar pessoas a Jesus. Mas, em minha humilde concepção, no que se refere ao Evangelho, os meios são fundamentais. Aliás, encontrei ecos para esse meu raciocínio no pensamento sempre aberto de Eugene Peterson. Segundo ele: “A relação entre os fins (o lugar para onde estamos nos dirigindo) e os meios (como chegamos lá) é uma distinção fundamental na ciência, na tecnologia, na filosofia, na moral e na espiritualidade. Encaixar os meios corretos aos fins esperados é necessário em praticamente tudo o que fazemos, desde coisas tão simples quanto atravessar uma rua e fritar um ovo até complexidades implicadas numa missão à lua ou na composição de um romance. Mas a questão é a seguinte: os meios precisam ser não somente satisfatórios, mas também coerentes com os fins. Os meios precisam se encaixar aos fins. Caso contrário, tudo desmorona”. (O caminho de Jesus e os atalhos da igreja, p. 39). Os meios não podem ser abandonados, mesmo que o fim seja ideal. E finalmente, gostaria de novamente fazer um apelo a todo cristão de bem a não se calar diante das atrocidades feitas em nome de Deus. Confidencio a todos e a todas que num dado momento, frente aos mandos e desmandos ou mesmo frente à exaltação desenfreada da “visão”, acabei pensando que o errado era eu mesmo. Mas, posteriormente, recobrando a razão, me vi novamente me equilibrando em minha sanidade mental e espiritual. Todavia, não podemos nos calar. Temos que mudar a nossa atitude continuamente ante aos incômodos que outros geram em nós ou para nós. Os incomodados irão se mudar.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Páscoa: A flor que se abriu em abril

Hoje, dia 01 de abril de 2013 é feriado na França. Curioso notar que num país onde a laicidade é declarada na sua Carta Magna, a própria nação guarde para depois do dia de celebração da Páscoa, um dia de descanso para as pessoas e família. Conversando com uma senhora, que também é cristã, descobri que a festividade da Páscoa tem uma sonorização familiar muito intensa. Em virtude disso, é muito mais privilegiado a celebração e o estar em família do que a alegria em torno do chocolate, que por sua vez, está plenamente presente na cultura cotidiana. Por exemplo, nos mercados e supermercados não existem aqueles corredores expondo ovos de chocolate com seus coloridos e diversidades. Ao contrário, o que se vê são chocolates nos setores corriqueiros, como de costume, e alguns ovinhos também. Na Europa, a Páscoa chega juntamente com a primavera que é ansiosamente esperada, tamanho o rigor do inverno. E é muito bonito ver as árvores irrompendo em flores neste período. Durante todos os meses de fevereiro e março, nós vemos as árvores e seus brotos. Em abril eles começam a se abrir demonstrando todo um colorido especial e significativo. De fato, a Páscoa celebra a flor que se abriu em abril! Para mim, de uma forma particular, essa Páscoa ganhou sentidos especiais. É que depois de algum tempo longe da minha família, estivemos juntos por quinze dias e vivenciamos coisas muito boas, além de andarmos exaustivamente por toda a Paris. Assim, a Páscoa, além de trazer à minha mente as memórias e esperanças dos atos amorosos de Cristo, a Flor-mor que se abriu em abril, foi também para mim a pequena flor que se abriu em abril, enchendo-me de novas possibilidades para suportar os tempos sombrios e estranhos e continuar focado em meus objetivos. Hoje, toda a França, ou pelo menos a maioria dela, descansa e aguarda a explosão da primavera, da “printemps”, para poder viver a vida sem os casacos e sem a friagem inerente aos países europeus. Que venha a esperança e que de alguma forma, o Cristo vivo renasça no coração de todos aqueles que tiveram suas experiências de fé desbotadas frente a tantas guerras e conflitos gerados no bojo mesmo de um cristianismo em suas contradições e da complexa mistura entre Igreja e Estado. Ainda bem que o evento Cristo é bem maior que as instituições frias e calculistas que atravessaram tempos e épocas, constituindo o que hoje concebemos história, e irrompe nas vidas tal como as flores depois do frio do inverno. Que as flores continuem a se abrir em abril.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Meu Carnaval de Silêncio e Frio

Aqueles que conhecem Paris sabem muito bem que neste período do ano, onde o frio se instala de forma agressiva, a cidade fica silenciosa. As pessoas passam pelas grandes boulevards e pelas pequenas ruas com passos apressados, encolhidas e envolvidas pelos seus casacos escuros. Todos parecem correr, talvez para se abrigarem do frio ou encontrarem um lugar aquecido para o descanso do corpo. Como é interessante perceber que no bojo dos dias, as pessoas se entregam ao trabalho com intensidade para, ao final do mesmo, se recolherem aos seus lares, quem sabe para tomar uma sopa ou um chocolate quente, acompanhado logicamente de uma tradicional baguete e da companhia de alguém. Ao final de cada tarde, vejo as pessoas passando com seus embrulhos e seus passos apressados. Fogem do quê? Fogem de quem? Para mim, inegavelmente do frio. Nas mesmas tardes cinzentas, vejo as crianças saindo das escolas. Elas são pacotinhos ambulantes que caminham nas ruas tal qual pequenos robozinhos. Tamanho o número de roupas e acessórios que as envolvem. Vejo-as de mãos dadas com as mães ou então nas garupas das bicicletas com os pais. Elas também caminham silenciosas. Mesmo porque nessa época do ano todos os parques estão fechados e a alegria, inerente a cada uma delas, está escondida dentro das toucas e nos sonhos bizarros. O silêncio só é quebrado pelo canto de uma nota só dos corvos. São eles, vestidos em seus distintos ternos pretos, que quebram o silêncio no alto das árvores secas ou dos prédios e suas chaminés. O que ocorre em Paris e em grande parte da Europa é uma liturgia sem cor, sem canto, sem dança, sem festa, que parece querer romper de uma forma exuberante. Enquanto discorria me olhar sempre incauto percebendo as tramoias do cotidiano, lembrei-me que neste próximo fim de semana no Brasil é Carnaval. E fiquei pensando no paradoxo. Eu, um brasileiro amante dos trópicos, tendo que me aninhar no silêncio do meu quarto, envolto em múltiplos pensamentos, enquanto meu povo se diverte pelas ruas e vive, independente de sua crença e fé, a explosão de uma sempre eterna arrumada bagunça. Sim minha gente, é Carnaval, e o meu terá alegorias mil, tendo corvos puxando o samba enredo de uma nota só; na bateria automóveis e sirenes de todas as instituições do Estado; na avenida desfilarão as alas das mulheres e homens bem vestidos com seus casacos, bem como as crianças que formarão a comissão de frente com a grande inovação: virão fantasiadas de pacotinhos. E tem as alas dos marroquinos e suas lojas de bugigangas, dos chineses com seus pratos típicos – expondo patos assados ao caramelo e eu, silencioso na arquibanda das minhas mais remotas imaginações vendo o desfile acontecer. De fato, será um Carnaval bem diferente... frio e silencioso. Paris, 08, février, 2013.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Basta a Solitude...

Há muito tempo coisa alguma escrevo que me dê estrito prazer. E o abandono a este tipo de escrita deveu-se especificamente à transição que estou vivenciando neste exato momento de minha vida. Estou na França, mais precisamente vivendo dias em Paris. Cheguei no dia 14 de janeiro de 2013 e estou em pleno processo de adaptação à vida, língua e cultura do povo francês. Mas que França? Como no Brasil, é grande o número de pessoas oriundas de outras etnias ou mesmo fruto de diversos processos de miscigenação. Poderíamos aqui falar da França negra, da França latina, bem como da França oriental. Eu, por exemplo, resido numa autêntica Babel invertida, chamada Cité Universitaire, onde jovens de diversas partes deste planeta se encontram e se desencontram paulatinamente. É Babel invertida porque garante a variedade e a democracia das línguas, numa confluência final e possível com a fala francesa. Na França onde estou habitando, o céu cinza rodeia a cabeça confusa e cheia de inquietações. Elabora-se no âmago da alma uma espécie de espiritualidade da solitude, já que em francês, assim como em outras etnias, não existe a palavra saudade. De fato, solitude não é saudade, porque saudade pode ser uma coisa boa, uma alegria inusitada instalada nas agonias do ser. Mas solitude tem a ver com solidão e apertos constantes nos lados obscuros da humanidade. O céu cinza é acompanhado de um frio penetrante que provoca em todas as gentes o encolhimento e a conversa extremamente curta ao longo das distintas boulevards. As toucas e as luvas escondem partes preciosas da corporeidade e afetam os relacionamentos. Não se houve risos, tampouco a alegria nos semblantes. Em todos os cantos, o canto repetido dos corvos demarcando territórios. Eles voam e dominam os parques, com seu colorido peculiar – noir, anunciando mais frio e quebrando o silêncio das gentes. Vejo da janela do quarto a neve chegar. Ela é bonita. Os flocos de gelo caem lentamente como plumas de algodão doce e vão embranquecendo a paisagem. As árvores e seus brotos acolhem os flocos. O gramado dos campos e dos parques recepciona o gelo que se impõe. Nos lagos se forma uma fina camada de gelo e os corvos ainda cantam sua canção na mesma nota. O transporte se complica mais ainda, os grandes magazines se enchem e as pessoas buscam refúgios em locais acalentadores. Da minha parte, continuo na janela a observar os flocos caindo, acompanhado de uma saborosa caneca de café. O silêncio, a solitude, tudo se transforma em convite para a depressão, para o ensimesmar-se. É preciso dar um basta. Vestir um casaco e aventurar-se pelas ruas brancas. A neve não pode barrar-me. É preciso romper o gelo e criar alternativas. É preciso dizer com Gabriel Marcel: “La solitude est essentielle à la fraternité ». De fato, a solidão é essencial à fraternidade. E assim, nos abrimos à fraternidade, ao abraço amigo, à divisão da garrafa de vinho e a partilha do que não se deve partir. Paris, 24, janvier 2013.

DIA 70 - As mariposas giram em torno das lamparinas acesas

Gosto quando os olhares e os sorrisos oriundos de pessoas diferentes compactuam os sentimentos mais profundos numa doce simbiose. Pode ser q...