A
vida da gente é feita de recomeços. Hoje, recomeço minha jornada,
principalmente salvaguardando minhas emoções e espiritualidade. Preciso dessa
salvaguarda, pois sou homem passional e envolvo-me rapidamente com as inerentes
paixões das pessoas, inclusive sendo empático.
Por
causa desse nível de envolvimento, e de intimidade também, tudo fica muito
exposto e a exposição nem sempre é vantajosa. Há uma linha tênue entre a
pessoalidade de cada um e as situações externas. Na passagem dessa linha, entre
os abscônditos da intimidade de pessoa qualquer e a realidade nos campos das
relações interpessoais, tudo se torna muito frágil e volátil, inclusive
favorecendo os acidentes de percurso.
Grande
parte destes acidentes refere-se ao mau entendimento do que foi discutido num foro
íntimo. Aliás, o problema mais complexo refere-se à dúbia interpretação, que,
como nau sem bússola, perde referências e se lança a sabor das correntes
marítimas. É muito duro quando as interpretações ocorrem num terreno sem
limites. O pior é quando tais interpretações ganham a alcunha de fatos, mesmo
tendo sido sugeridas no campo das conversas informais. Quando isso ocorre, as
angústias decorrentes da não possibilidade de defesa são evidentes; com o leite
derramado, o caminho é, tão somente, juntar o balde, pegar o rodo e espraiar o
pano de chão, com a finalidade de operar a limpeza, se possível. Doutra forma,
somente o tempo poderá elaborar a cicatriz.
De
minha parte, recolho-me ao profundo de minha alma com a finalidade de avaliar a
vida e recomeçar com outros princípios. Nunca é tarde para um recomeço. E,
dessa vez, prometo não me expor e não expor quem quer que seja, pois, ao final
das contas, as pessoas ficam chateadas e se distanciam.
Sim,
é preciso salvaguardar as emoções e a espiritualidade. É preciso, igualmente,
seguir alguns conselhos clássicos de nossa cultura popular. Aprendi com meu pai
um adágio que assim dizia: “Coração dos outros é terra que ninguém pisa”. Acho que
esse dito tem sua parcela de verdade. Então, pra quê andar no terreno alheio se
já tenho o meu próprio terreno para explorar?
Em
dias sombrios, quando a relação claro-escuro não está definida e tudo se faz e
se refaz e tons de cinza, o melhor é o recolhimento na dimensão do silêncio.
Silenciar a alma e a inquietação para experimentar a quietude; se desfazendo
para se refazer.
Não
quero mais saber da vida das pessoas.
Não
quero mais entender o porquê de tantas agonias e angústias.
Não
quero mais me morder, sentindo a dor do outro.
Sigo,
enfim, um aforismo de Guimarães Rosa: “O correr da vida embrulha tudo. A vida é
assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O
que ela quer da gente é coragem”.
Viver
exige coragem, inclusive para recomeçar, já que tudo esquenta e esfria. Com
coragem, quero ao fim do dia, sentar-me em um monte qualquer para contemplar o
crepúsculo, mesmo nas tardes de chuva fria e fina; mesmo quando o arco-íris for
apenas uma tênue imagem; mesmo quando o sol não irradiar sua luz e brilho
intensos. Faço minhas as palavras do velho livro de intensa sabedoria; “Esqueço
o que fica para trás, avanço em direção ao alvo da soberana vocação”.
Sim,
vou viver a vida, sempre me refazendo... sempre recomeçando...